A cirurgia plástica está entre os procedimentos médicos mais procurados no Brasil, tanto por razões estéticas quanto por razões reparadoras. Em 2024, o Brasil realizou cerca de 2,3 milhões de cirurgias plásticas, consolidando-se como líder mundial nesse tipo de procedimento, segundo a International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS). No entanto, à medida que cresce a demanda, também aumentam os debates sobre segurança, qualificação profissional e a atuação de profissionais não médicos em procedimentos invasivos.
Em um cenário marcado por casos de complicações graves e pelas controvérsias envolvendo a atuação de profissionais de outras áreas da saúde, a atenção à segurança tornou-se mais urgente do que nunca.
Para esclarecer os cuidados essenciais antes, durante e depois de uma cirurgia plástica, o portal Saúde Brasília conversou com o cirurgião plástico Pedro Brandão, referência na área e defensor de uma prática médica ética, segura e centrada no bem-estar do paciente.
Na entrevista, ele comenta também sobre os avanços tecnológicos e os novos protocolos que contribuem para cirurgias mais seguras, além de analisar o panorama da segurança cirúrgica no Brasil e os desafios na fiscalização profissional.
Pedro Brandão é membro titular da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) e membro da American Society of Plastic Surgeons (ASPS). Pioneiro em terapia regenerativa com células-tronco em cirurgia plástica em Brasília, também é membro fundador da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET). É cirurgião plástico do Serviço de Cirurgia Oncológica do IHBDF, e dirige sua própria clínica de cirurgia plástica, localizada na capital federal.
1. Segurança em cirurgia plástica: visão atual
Saúde Brasília – O que se entende hoje por segurança na cirurgia plástica?
Dr. Pedro Brandão – A segurança em cirurgia plástica é uma condição primordial e inegociável. Ela envolve diversos fatores que, bem compreendidos e aplicados, tornam a cirurgia uma experiência positiva e gratificante, tanto para o paciente quanto para o cirurgião.
Eu diria que o principal elemento que define a segurança de uma cirurgia é a escolha do cirurgião. Um profissional qualificado é determinante para identificar e se antecipar aos potenciais riscos e “armadilhas” que podem comprometer a saúde e segurança do paciente durante e após a cirurgia.
Durante a consulta, deve-se discutir os riscos, benefícios, tempo de recuperação e opções de tratamentos para cada paciente. Nesse sentido, o termo de consentimento informado é uma boa ferramenta de segurança, ao reafirmar esses aspectos e confirmar o entendimento por parte do paciente.
Um ambiente cirúrgico adequado, devidamente credenciado, com infraestrutura e equipes treinadas para lidar com emergências também é fundamental para a segurança cirúrgica.
Hoje existem protocolos padronizados, aplicados antes da cirurgia, como a verificação dos materiais, identificação do paciente e suas condições clínicas, do procedimento e da anestesia, que ajudam a minimizar riscos.
O acompanhamento pós-operatório é fundamental, pois permite prevenir intercorrências durante a recuperação e tratar eventuais problemas.
Portanto, como paciente, não dar a importância devida aos elementos que trazem segurança é sinônimo de não estar preparado para operar e, em essência, de entregar a sua vida à sorte.
2. Escolha do cirurgião
Saúde Brasília – Quais são os principais critérios que um paciente deve considerar ao escolher um cirurgião plástico?
Dr. Pedro Brandão – A escolha do cirurgião é a principal decisão de quem pretende operar. Antes da primeira consulta, deve-se estudar bem o perfil do profissional, seu currículo, suas áreas de expertise, sua experiência como cirurgião.
No Brasil, o cirurgião plástico que é membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, por exemplo, possui o “selo de qualidade” que demonstra que ele foi submetido a todos os rigores de formação em residências médicas e a difíceis exames técnicos necessários para exercer a especialidade. Isso o qualifica e o diferencia de outros profissionais.
Importante lembrar que em muitos casos as mídias sociais podem ser enganosas e de forma alguma traduzem a qualidade do cirurgião e de seus resultados. É prudente suspeitar de perfis sensacionalistas e que prometem resultados! A primeira consulta é um momento importantíssimo e também faz parte da escolha do seu cirurgião. É a oportunidade de confirmação dos aspectos que motivaram sua visita, de desenvolvimento de uma relação de confiança e de estabelecimento de um bom canal de comunicação.

3. Riscos e como minimizá-los
Saúde Brasília – Quais os maiores riscos associados às cirurgias plásticas e quais medidas podem ser tomadas para minimizá-los?
Dr. Pedro Brandão – Os riscos à saúde associados à cirurgia plástica são, em sua essência, os mesmos riscos de qualquer outra cirurgia. Eles dependem tanto de fatores do próprio paciente, como histórico de doenças do tipo diabetes, hipertensão, tabagismo, obesidade, entre outras, quanto do ato cirúrgico em si, como duração da cirurgia, porte da cirurgia, se há cirurgias associadas, tipo e tempo da anestesia, local da cirurgia – se realizada em clínica ou em hospital com UTI – etc. A associação desses riscos predispõe ao surgimento de complicações potencialmente graves que ameaçam a vida.
Qualquer cirurgia representa um trauma para o corpo, um momento de estresse dos órgãos. É intuitivo, então, que o corpo precisa estar na melhor condição possível para que esse estresse tenha menor impacto. Portanto, a melhor forma de diminuir os riscos operatórios é realizar uma avaliação pré-operatória detalhada, que envolve o estudo de doenças presentes, rotina de medicações usadas, submeter o paciente a uma série de exames laboratoriais e de imagens, além de consultas com especialistas como cardiologista e cirurgião vascular.
Quaisquer alterações são devidamente tratadas de modo que no momento da cirurgia o paciente se apresente em seu melhor estado de saúde. Além disso, a qualidade técnica e eficiência da equipe cirúrgica, aliadas a uma boa relação com a equipe anestésica, são determinantes para diminuir os riscos operatórios.
4. Local da cirurgia
Saúde Brasília – Como a escolha do local da cirurgia (hospital, clínica ou consultório) influencia na segurança do procedimento?
Dr. Pedro Brandão – A escolha do local da cirurgia basicamente depende do porte da cirurgia. Quanto maior o porte, maior o tempo cirúrgico, maior a necessidade de anestesias sistêmicas, sedações, maior a necessidade de monitoramento gerando maior risco cirúrgico.
Via de regra, o custo de operar em uma clínica é em geral menor do que em um hospital, o que justifica, em parte, uma tendência atual pela preferência em operar em clínica. Apesar de existirem clínicas com boa infraestrutura de centro cirúrgico e excelentes equipes de suporte, não há unidade de terapia intensiva. Caso ocorra alguma complicação anestésica ou cirúrgica de maior gravidade, o paciente precisa ser transferido para um hospital que tenha unidade de suporte intensivo.
Por outro lado, o hospital tem a disponibilidade tanto de unidade de terapia intensiva quanto de equipes de outras especialidades que podem ser acionadas a qualquer momento frente a uma emergência.
O consultório fica reservado para procedimentos bem menores, menos invasivos, que não necessitam de monitoramento.
5. Acompanhamento pós-operatório
Saúde Brasília – Qual a importância do acompanhamento pós-operatório na prevenção de complicações e como ele deve ser conduzido? E qual o papel do paciente para que haja uma boa recuperação?
Dr. Pedro Brandão – O acompanhamento pós-operatório é crucial na prevenção de complicações, pois permite a monitorização da recuperação do paciente, a identificação precoce de possíveis problemas e a promoção de uma cicatrização adequada. Durante esse período, o cirurgião e sua equipe multidisciplinar podem avaliar a evolução do quadro clínico, realizar intervenções necessárias e orientar o paciente sobre os cuidados pós-cirúrgicos. Esse acompanhamento contínuo é fundamental, pois permite a detecção e adoção de condutas precoces de eventuais complicações como infecções, hemorragias ou problemas relacionados à anestesia. Além disso, o cirurgião avalia a evolução da cicatrização e pode fazer ajustes muitas vezes necessários, no momento correto.
Outro ponto importante é a possibilidade de fornecer ao paciente informações valiosas sobre cuidados em casa, como a importância do repouso, alimentação adequada e sinais de alerta. A recuperação pode ser um período estressante; o apoio médico e de sua equipe pode ajudar na gestão da ansiedade e oferecer orientações para o bem-estar emocional.
Em nosso serviço adotamos uma rotina preestabelecida de consultas de retorno após a cirurgia. Os pacientes devem retornar ao consultório médico para serem vistos e examinados. Nesse momento ocorre a troca de curativos, remoção de drenos e ajustes de medicamentos, podendo ser necessária a solicitação de eventuais exames, como de sangue ou de imagem, com o objetivo de esclarecer possíveis dúvidas tanto médicas quanto do paciente. Com a rotina das consultas de retorno, cria-se um clima de compromisso e orientação ao paciente quanto à evolução clínica, o que traz tranquilidade e confiança a quem está passando pelo período pós-operatório.
Mesmo diante de alguma complicação, como hematoma, seroma, infecção da ferida, soltura de pontos — todas essas comuns a qualquer especialidade cirúrgica — é importante que os pacientes se sintam à vontade para relatar quaisquer preocupações ou sintomas anormais durante o processo de recuperação.
Nesse contexto, cabe ressaltar que cumprir as orientações médicas, seguir as instruções sobre cuidados específicos de determinada cirurgia, medicações e atividade física é de suma importância. Adotar hábitos saudáveis, como alimentação balanceada e hidratação, além de repousar adequadamente, contribui para uma evolução favorável.
A prática de técnicas de relaxamento e conversas com quem já operou podem ajudar a manter a saúde mental durante a recuperação, desta forma reduzindo sobremaneira o grau de ansiedade natural do pós-operatório. Percebemos, então, que o sucesso da recuperação depende não apenas do cuidado médico, mas também da colaboração ativa do paciente. Portanto, é essencial que ambos trabalhem juntos para assegurar uma recuperação tranquila e eficaz.
6. Avanços tecnológicos e novos protocolos
Saúde Brasília – Que avanços tecnológicos e protocolos recentes têm contribuído para tornar a cirurgia plástica mais segura?
Dr. Pedro Brandão – Nos últimos anos, diversos avanços tecnológicos e novos protocolos têm contribuído significativamente para aumentar a segurança em cirurgia plástica. Entre eles, destacam-se o uso de câmeras de alta definição e sistemas de realidade aumentada, que permitem aos cirurgiões uma visão mais detalhada e precisa da área a ser operada, diminuindo o risco de complicações como necrose de retalhos.
Técnicas minimamente invasivas como a liposcopia e o uso de endoscópios têm reduzido o trauma cirúrgico, resultando em menos sangramentos e um tempo de recuperação mais rápido. A evolução nos métodos de anestesia, incluindo anestesia local com sedação consciente, tem melhorado a segurança durante os procedimentos, minimizando riscos associados à anestesia geral, por exemplo.
O estabelecimento de protocolos padronizados, como listas de verificação para cirurgias (similar à Lista de Verificação da OMS), tem ajudado a garantir que todas as etapas do processo cirúrgico sejam seguidas de forma sistemática, reduzindo a margem de erro durante o ato cirúrgico.
Tecnologias de monitoramento contínuo dos sinais vitais do paciente durante a cirurgia oferecem uma avaliação em tempo real da sua condição, permitindo intervenções rápidas caso surjam intercorrências.
Já a impressão 3D está sendo utilizada para criar modelos personalizados de anatomia do paciente, auxiliando tanto no planejamento cirúrgico quanto durante a cirurgia, contribuindo, assim, para resultados mais precisos e personalizados.
Vemos também melhorias na engenharia de materiais e produtos como o desenvolvimento de implantes e materiais biocompatíveis, que reduzem o risco de rejeição e complicações, além do crescente número de estudos pelo mundo sobre a utilização de nossos próprios tecidos – como as células-tronco mesenquimais – tanto para rejuvenescimento quanto para regeneração tecidual.
Com tantas possibilidades e novidades, cursos de atualização e simulações cirúrgicas tornam-se fundamentais e capacitam os cirurgiões a utilizar as melhores práticas e novas técnicas de forma eficaz e segura.
Não podemos deixar de mencionar o crescente uso de consultas virtuais (telemedicina) para avaliação pré-operatória e acompanhamento pós-operatório, o que permite uma comunicação mais eficiente e reduz a necessidade de deslocamentos, trazendo assim maior comodidade, menor custo e segurança para o paciente.

7. Desafios de segurança e fiscalização
Saúde Brasília – Como o senhor avalia o atual cenário de segurança na cirurgia plástica, diante dos casos crescentes de complicações associadas a profissionais não especializados e das discussões sobre a atuação de outras categorias na área — como os cirurgiões-dentistas, cujo conselho tem buscado autorização para que possam realizar procedimentos de cirurgia plástica facial, após especialização? Que medidas podem ser adotadas para reforçar a fiscalização e garantir a segurança dos pacientes?
Dr. Pedro Brandão – Vivemos uma situação complexa, multifatorial que envolve a banalização da medicina – principalmente no que concerne à área estética –, a invasão da nossa área por outras profissões e a desconstrução do médico como autoridade detentora de fé pública histórica em qualquer civilização.
Refiro-me, também, à banalização da mídia, da educação e da qualidade da formação das novas gerações de médicos em nosso país. Esses, entre outros fatores, geram um ambiente cíclico e crescente de “tudo pode”, de afrontamento da tradição, de desconexão completa entre a razão, o respeito interpessoal, princípios éticos e a expectativa coletiva.
Soma-se a isso uma situação nova na história da nossa especialidade: o grande acesso à mídia, que muitas vezes vende imagens, utopias, e a possibilidade de os pacientes poderem comparar resultados de cirurgiões em larga escala. É muito comum chegarem para o atendimento com uma imagem, uma expectativa de resultado já definida.
Assim, torna-se compreensível que, cada vez mais, as orientações sobre resultados realísticos e possíveis complicações, feitas por parte dos cirurgiões ‘sérios’, fiquem simplesmente secundárias ou sejam ignoradas, no contexto dessa psiquê. Território fértil para toda sorte de oportunismo entre profissionais não-médicos.
A iniciativa do Conselho Federal de Odontologia, por enquanto, é apenas uma intenção. A proposta de que alguém que não é médico poderá realizar um ato médico já é, por si só, completamente absurda. A meu ver, representa um potencial de prejuízo imensurável à saúde de nosso país. Entendam, a formação de um cirurgião plástico segue a seguinte ordem obrigatória, sem atalhos: 6 anos de graduação em medicina, 3 anos de residência em cirurgia geral e 3 anos de residência em cirurgia plástica. São 12 anos no total por vários motivos, esse tempo não é arbitrário. Qualquer flexibilização desse formato representa um risco gravíssimo à saúde pública e à integridade dos pacientes.
Não acredito haver uma solução simples, unidimensional para a situação descrita. O alinhamento entre legislação e autoridades afins no sentido de reforçar a fiscalização me parece um bom começo. Em última análise, o principal filtro para evitar resultados catastróficos é o próprio paciente. Analise bem o currículo e a experiência de quem se propõe a realizar qualquer procedimento em você.
As opiniões expressas em artigos de opinião e entrevistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e dos entrevistados, não representando, necessariamente, a posição institucional do portal Saúde Brasília.